segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Madrugada

No vazio quase quente a expressão é nula
Só um verso de repente quando vem da rua
Quando vem da rua
A poesia é a ciência da iminência

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Mestre Momofuku Ando

aquilo pelo qual és responsável te cativa eternamente?
sim. talvez gostar seja a melhor forma de ter.
mas se nenhuma posse nesse mundo é eterna, uma hora vamos gostar do que não existe mais.
tendo passado o passado, toma-se outra vereda.
travessia?
sempre.
e o cão?
nunca está na estrada. diabo mesmo é homem humano

desceu a montanha, chegou em casa, tirou a roupa e fez um miojo.

a eternidade te torna responsável por aquilo que cativas?
depende. passada ou futura?
tem diferença?
o passado não tem valia senão na biblioteca. o futuro não existe.
travessia?
sempre.
olhando pro chão?
só de vez em quando. é pra isso que tens pescoço

subiu o elevador, chegou em casa, cozinhou duas salsichas e comeu o miojo.

quero me tornar responsável por tudo que cativei.
eu também.
eu não te pertenço, mas sou sua.
um dia irei me pertencer. por enquanto, estou na sua.
travessia?
só se for agora.
uma boa solução.
a melhor por hora. depois a gente vê o que faz.

jogaram strip-poker, dormiram, saíram de casa e um dia se encontrarão numa ilha desconhecida.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Buda

Então agora você está feliz. Bacana.

Será que dava pra ficar mais feliz?

Amanhã você ainda vai estar feliz assim?

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Coisas do Mundo, Minha Nega

E eis que vou parar de escrever por um tempo.

Afinal, tudo até aqui já foi escrito.
Tudo já foi meditado, contemplado, transcendido.
Tudo já foi revirado, remoído, vomitado.

Afinal, a vida é uma linha de bonde.
Existem momentos em que se deve estar no bonde, é a maneira mais rápida de chegar a um objetivo com tranquilidade e segurança.
Existem momentos em que se deve estar a pé na rua, equilibrar-se sobre os trilhos, ver os carros passar e parar numa curva ou noutra pra uma cachacinha.

domingo, 19 de setembro de 2010

Ensaio

Fecha esse botão, menino!, fica esses pêlos aparecendo aí! Olha pra mim! Silêncio! Aguarde a sua vez! Canta mais baixo! Olha pra mim! Não atrasa! O Fá é sustenido! Canta mais baixo, tá aparecendo mais que todo mundo! Olha, você não pode cantar assim. Pára de conversar! Olha pra mim! Concentra! Do começo! Esse acorde não tá afinado! Senta direito! Troca de lugar com o Fulano. Bota um sorriso no rosto! Canta mais baixo! Pára de se mexer! Olha pra mim! Vamos passar até o compasso 19 e depois ir pro intervalo. Esse ritmo tá errado! Respira junto comigo! Anota essa respiração na partitura. Guarda esse violão! Olha pra mim! Canta mais baixo! Bota a voz no tubo do órgão! Canta mais baixo! Olha pra mim! A afinação é essa. Vamos lá, comigo! Segue a minha regência! Não respira! Pronuncia direito!

Eu canto no coral mas não tenho voz.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Everyday blue

Todo dia é dia de ficar triste. Acordar sem esperança é o ideal. Aliás, paradoxalmente, aqui não deve haver ideais. O que vier tá bom. Não esperar muito, não vai sair nada daí mesmo. Metade do dia deve ser destinada ao Deus morto, à verdade pulverizada no éter, ao utilitarismo.

A outra metade é a busca da euforia ligeira. É o mundo se acabando de vez no fim da noite na leveza com a qual nos perdemos no sono, na profunda alegria de estar sem vazio algum no peito.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Quarta Lei de Newton

Existem três tipos de problema nesse mundo com os quais nunca devemos nos preocupar,

- Os que a gente inventa,
- Os que não são da nossa conta, e
- Os que ainda não aconteceram

Aqui vai uma foto do Jorge Benjor só pra ilustrar esse clima de calma e leveza.


"Paz e arroz, bicho!"

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Soneto Ruim

Poisé, veja só onde fomos parar
Só em soneto ruim consigo digerir
O que nos faz a Deus perdão pedir
E resignados num abraço confortar

Esse existencialismo, triste norte
Adotamos pra sufocar nossos ideais
Sem futuro, tanto fez como tanto faz
Deixando a descrença ser mais forte

Bem feito, era inevitável a desgraça
Engolimos a seco aqui entre paredes
Mas lá fora a gente sorri e disfarça

Só pra afastar os que sentem pena
Malditos, são chatos pra caralho
Prefiro sorrir a atrair os idiotas

sábado, 7 de agosto de 2010

Dois perdidos numa noite normal

então, gatinha, vamos fazer algo niilista hoje? e lá foram, pé na tábua, quase perdem os membros inferiores pra uma jibóia, mas tudo bem. Loucura de verdade é não viver esse sonho kerouaquiano. Com os parcos últimos pagamentos na cidade grande, compraram grande estoque de vinho de galão e cachaça de dez reais. Erva ruim também, até compraram cachimbo. Porque o que faz mal é o papel, né, cê sabe. Iriam percorrer a linha vermelha, ganhar a dutra e seguir até Deus-não-sabe. Tudo em nome do sonho de liberdade, loucura e alegria eufórica que era dos seus pais. No carro dele, um Opala herdado e nunca trocado, tentaram deixar essa vida cinza. Nada na bagagem a não ser a roupa do corpo e muita loucura em potencial. Ah, tinha um violão também, junto com uns três ou quatro acordes - não usariam muitos - e uma gaita diatônica fora do tom - mas nem ligavam. Tinha uma resistência elétrica - ignoro porquê - e alguma soma desprezível mas necessária de papel moeda. E lá foram eles.

Acontece que tinha uma blitz da Lei Seca ali na Leopoldina. E eles se fuderam porque decidiram impulsivamente fazer essa viagem no terceiro chopp após o sensacional cabrito à moda do Nova Capela.

sábado, 31 de julho de 2010

Over the Rainbow

Fazer Rock, viver esse sonho, nada mais é do que estar em simbiose profunda com o turbilhão que existe dentro de você. Por simbiose, entenda carinho, intimidade e total permissão para usar toda música, todo sentimento, qualquer coisa que vier à mente quando estiver no palco. Combinar emoções e notas diferentes a cada execução e pôr pra fora qualquer idéia nova. Se todos no grupo fizerem isso, não existirá rotina nem mesmice.


Ritchie Blackmore, o maior roqueiro que já pisou nesse mundo. Não existe "nota fora" nem "limite" no dicionário dele.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Paz

Voltei. Não sei bem porquê, mas voltei.
A vida é assim mesmo, não dá pra explicá-la num samba curto. É pra sambar, simplesmente.
E amar. O barato da vida é amar. O resto é conversa fiada.
Passear por esse mundo sem amor no coração é um verdadeiro pé no saco. Corre o risco de ser estressar, jogar o amor fora e viver de qualquer jeito mesmo.

Às vezes a vida nos pede pra dar uns giros de 360º. Só pra espairecer.
Quem sabe aproveitar, conhece os mundos e vê melhor.
Quem não sabe, volta ao mesmo lugar. Ou nem volta.

Passeei. Agora voltei. Aonde tem amor e verdade, esse é o meu lugar, afinal.

Ao som do Coro dos Compositores da Portela.

domingo, 27 de junho de 2010

Amor

A dor nos une mais que qualquer coisa.
O carrasco em comum é o maior mobilizador de pessoas.
"Foda-se, vou largar essa família."
"Cadê o Neymar e o Ganso na porra da seleção?"
"Enfia esse diploma no meio do teu cu, adevogado de merda!"
"Eu sou um ex-contínuo. E você é um filho da puta. Seu filho da putaá!"
"Esses ex-namorados tem mais é que ir pra puta que o pariu!"

Aposto que muita tem muita gente simpatizando com outra só porque ouviu uma dessas frases nesse momento.
Isso é fácil. Quero ver se entrelaçar pelo carinho, pela simples vontade de fazer o bem.
Ser doce é resistir. Perdoar é revolucionar.

Amor é tema tão falado
Mas ninguem cumpriu nem seguiu a grande lei:
"Cada qual ama a si próprio"
Liberdade e igualdade aonde estão não sei.
Mora na filosofia.

Morou, Maria?

Só amor de mãe é amor. E ainda assim crucifica o filho.
Por uma boa causa, pelo menos.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Vida

O que sempre me foi apresentado como vida foi pela minha mainha: sempre estava num bar, rodeada de risos e choppes. O trabalho era cheio de gente gozadora, personalidades bonachonas sempre dispostas a delardear piadas. Gente que respeita a impompencidade dos bares e igualmente respeitava, com silencio solene, a hora de gravar. "GRAVANDO" e lá iam os peões a movimentar-se e capturar o rosto dos globais, os superiores. Gente bacana e equilibrada, os colegas da minha mãe. Viva o chopp.

Aprendi que peões são felizes. Irado.

Nunca vi globais como semi-deuses. Eles, na minha cabeça de criança, eram peões também. Era o mesmo cigarro, o mesmo riso, o mesmo trabalho, a mesma obediência. A diferença era meramente geográfica: uns estavam atrás e outros na frente da câmera. Mas quando cresci, aprendi que na frente da câmera ficavam bispos, damas e reis. Os peões, atrás. E aprendi que, por ficarem atrás, os peões não valiam muito. Joguetes do sistema industrializado. Alienados, não-participativos, gozadores, burros inferiores. Ser peão era ser ruim.

Então peões são tristes. Comem pão torrado na padaria e café ruim, amargo fel. Resto da sociedade.

Fui aprendendo que aquela vida bacana dos peões era mediana. Fruto de uma cultura medíocre. Aliás, tudo o que tinha aprendido até então como vida era fruto de uma cultura medíocre, alienada, robotizada, massificada. Os acusadores da cultura medíocre sentem a maior culpa quando se entregam a prazeres massiliados, álcool, comemoração em conjunto, torcida pelo mesmo ideal. Acham tudo falso, mediano. Confundem realismo com pessimismo e têm confiança prepotente nos seus próprios egos, pois pensam que isso é arte. Acham-se superiores por questionar a cutura way-of-life do momento e dela auto-exilarem-se e chafrundar. São egoístas por acharem que podem encontrar a felicidade numa auto-solidão olhadora do proprio umbigo: cachaça, maconha, modinha hi-tech.

Nunca liguei pro hipe, pros meus colegas. Eu convivia com adultos, amigos da minha mãe, seus chopps, cigarros, bares e conversas sacanas. Meus colegas da minha idade eram chatos pra caralho. Tanto que minha adolescência virou uma bagunça só quando comecei a andar com a minha turma.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Arte

Tô desconfiado que essa busca desenfreada e global pela "pura arte visceral e verdadeira" é escapismo. Escapismo dessa vida regrada, limitada, cheia das cartilhas. Todo mundo sabe que os comportamentos sociais são pura invenção do homem. É tudo pretexto pra calçar chumbo e não deixar botar os pés nas nuvens. Criança travessa faz "arte". Adulto artista é "maluco beleza".

O artista sonha pela sociedade. Gente comum se adequa a qualquer rótulo: atleta, pegador/garanhão, homem de negócios, pai chefe de família. Gente medíocre fica pelo meio do caminho: adevogado, gordo, alcoólatra, neurótico. Artista vai no que todo mundo anseia e não tem coragem de fazer. Catarse é um saca-rolha, puxando à força os anseios e sentimentos escondidos por todo mundo e fazendo o observador confrontar-se com o que, segundo dizem, não vale a pena ser confrontado.

É uma puta responsabilidade. Artista tem que ser, acima de tudo, um grande vaselina. Sua arte precisa servir de muleta pros outros mas ele nunca pode esquecer de si mesmo. É muita coisa a ser sublimada. É muito coração aflito pra conduzir. Artista sem culhão acaba virando adevogado, gordo, alcoólatra e/ou neurótico.

Contrapartida, artista com culhão e espírito aventureiro demais acaba no suicídio. A morte é a única liberdade legítima dessa vida. Alternativo à morte é o hedonismo. Isso porque não dá pra calçar chumbo nos pés e voar ao mesmo tempo, ou seja, não dá pra libertar o inconsiente e alcançar o divino humano sem se libertar das convenções sociais e - tomara eu estar errado - dessa vida terrena.

Acaba que a busca pela "pura arte" ou a puta que o pariu que o valha é fruto de todo um cuidado metódico e planejado para não deixar gente ruim mediar essa catarse tão necessária à vida. Ou então é só a contra-mola que resiste e puxa a reflexão pro caminho do meio, pra não deixar todo mundo se matar a esmo. Quem souber ir, vai pelo meio.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Mal Necessário



jornalista
Eu queria que você começasse definindo a si mesmo.

artista
Eu sou um sonhador. Acima de tudo, um sonhador. Todas as vezes que fui feliz na vida, foi quando eu me permiti sonhar, delirar, inventar as coisas. Sonhar com um mundo melhor, com um país melhor... Imaginar como vai ser quando tudo for diferente, quando eu tiver conseguido realizar meus sonhos. Me imagino dando entrevista, explicando, contando como tudo aconteceu. O sonho, ele te empolga. Você começa a acreditar naquilo, te dá uma coragem, uma força. Agora, toda vez que eu tentei me adequar à realidade, eu fui extremamente infeliz, sabe. Você começa a pensar nas dificuldades, em tudo que pode dar errado... é a sabedoria dos medíocres. A segurança, o bom senso. Você não pode ousar, tentar fazer diferente. Quando você depende do reconhecimento alheio é uma merda, porque você não pode simplesmente existir, a sociedade é que tem que dizer que você merece existir e ser feliz! E é nisso aí que os medíocres dominam, porque eles são a maioria. Então, isso aqui virou o Império da Mediocridade. Bom é ser igual! Bom é ser ruim! É por isso que rapidamente o sujeito tem que ser capaz de desenvolver um certo cinismo pra poder sobreviver. O cinismo é como uma vacina. Na vacina, a pessoa é infectada por um vírus inócuo pra desenvolver a imunidade contra o vírus de verdade. O cinismo é assim: você fica meio acanalhado pra poder não adoecer no contato com a canalhice. O sujeito chega aos 30 anos e já é um amargurado, pelo simples fato de ser brasileiro. Porque ele vive numa realidade que é antibiótica, massacrante.

jornalista
Mas você não acha que as coisas podem melhorar?

artista
Olha, as chances das coisas melhorarem são, no máximo, iguais às chances das coisas piorarem. O problema é que a gente vive numa merda tão grande que as pessoas precisam se agarrar a uma esperança, acreditar em alguma coisa, pra não se matar, ou pra não entrar em depressão profunda. A religião, por exemplo, é um antidepressivo igual a esses remédios que dão aí pros malucos, que o cara fica todo bobo: Jesus... Jesus... Acaba com o cérebro do sujeito. Passa a ter só vida funcional: acorda todo dia de manhã, pega o ônibus, vai pro trabalho... No trabalho ele só tem que fazer operações básicas, tá tudo nas cartilhas, nos manuais, ninguém precisa inventar nada, porque os gringos já pensam em tudo por nós, é só copiar o que eles fazem. É só traduzir mal traduzido os manuais que vêm de lá. É tudo assim. A novela, toda essa babaquice da TV, é tudo antidepressivo. É tudo droga, tudo tem efeito psíquico. Daí tem a dose de jornalismo que é pra dar aquele choque pra dose de novela que vem depois fazer mais efeito. E é aquele jornalismo de merda, né. O cara tá ali sério, compenetrado, querendo se informar pra saber das coisas e tá sendo feito de palhaço, de otário, sendo manipulado, imbecilizado do mesmo jeito. É o imbecil bem informado. Tudo é entorpecente. Marx dizia mais ou menos isso, só que ele nunca poderia imaginar que o próprio marxismo seria o ópio de muita gente também. Eu fumo só de sacanagem. Nego fica dizendo: quem fuma é isso, quem fuma é aquilo. Vá se fudê! É um fascismo do caralho, porra!

jornalista
Você não acha que esse teu discurso não leva ninguém a lugar nenhum?

artista
Que discurso?

jornalista
Isso que você tava falando antes.

artista
Acho. É verdade, acho sim.

filho
Pai! Você tá demorando muito pra gente ir pra piscina.

artista
Ô, filho! Já tô indo, tá? O papai tá trabalhando. Já tô indo. Vai lá com a mamãe que eu já vou. Esse aí eu botei na Lei de Incentivo à Cultura. É sério! Eu fiz um projeto de documentário pra acompanhar o crescimento dele e aprovei no ministério. É sério!

jornalista
E como é que todas essas questões que te tocam tanto, que te deixam assim tão exaltado, afetam o teu trabalho de artista?

artista
Agora eu tô passando por uma crise muito grande, sabe. Mas não é crise de criatividade. É crise temática. Eu não tenho nada pra dizer... Porra, eu sou homem, heterossexual, branco, tenho grana... Eu vou falar do quê? Eu penso muito nisso. De amor? Amor é o caralho! Daí, você vai dizer: mas você é brasileiro, já não basta? Eu sei, eu ando pelas ruas. Eu vejo TV, porra! Eu vejo uma criança na rua pedindo dinheiro, isso me comove, me revolta. Mas, daí, eu vou falar o quê? Isso tá errado, isso não pode, isso me deixa triste? Vou xingar o presidente, deus e o mundo? Tá entendendo? Eu vejo o sofrimento, mas eu, particularmente, não sofro. E eu acho uma pretensão muito grande falar em nome dos pobres, falar em nome dos outros. É aquela história dos intelectuais dos anos 60, né, Cinema Novo! Falar em nome do povo. Falar pro povo as coisas que ele tem que saber pra se libertar. É ridículo! Os pobres, os discriminados, os oprimidos sabem dizer sozinhos, sabem se expressar sozinhos, não precisam da arrogância de um cara branco e bem alimentado como eu. E digo mais: estão achando suas próprias soluções, independentemente do Estado, dessa imprensa calhorda e dos intelectuais. Então, pra quem é representante de uma classe falida, como eu, representante de um projeto falido, o que me resta é observar o povo. E olha aqui a contradição, ó. O intelectual brasileiro, os ricos deste país, dizem o povo, quando, na verdade, tão se referindo só aos pobres. Tá vendo? Eu mesmo acabei de cometer esse ato falho agora. Quer dizer, não existe um Povo Brasileiro do qual todos fazem parte. Povo são os pobres. Os ricos são outra coisa. Então, eu não vou falar de fome, porque eu não sei o que é fome. Falar em nome dos que têm fome? Eu considero um desrespeito, uma afronta, eu falar de fome pra quem tem fome, ou em nome dos que têm fome. Eu não vou falar de revolta com a polícia, porque a polícia não me pára, não me revista, não me bate. Quando um policial tem que falar comigo, ele me chama de doutor, entendeu? Então, eu tenho é que ficar na minha, e ver se acho alguma coisa boa pra dizer. Por enquanto, eu ainda não achei nada. E quem não tem nada pra dizer tem mais é que ficar calado. Quer um queijo? Não?

jornalista
Bom... Obrigada. Foi ótimo ter você aqui.

domingo, 7 de março de 2010

Lapa em 3 tempos

Aconteceu no entardecer, quando eu esperava um ônibus na rua do Riachuelo. Como minha camisa tinha uma estampa do Seu Madruga, um hippie de dreads e caminhada mansa atravessa a rua de braços pro alto, num cumprimento bastante efusivo.

- Seeeeeeumadruuugaaaaaa!!!
- Coéééééééééé! - e braços pra cima. Fazer o quê? Eu respondo efusividade com efusividade. Será que essa palavra existe mesmo?
- Aíííí se liga só no artesanato do hippie aí dá uma forcinha brother saca só o trabalho...

E já foi botando o mostruário na minha mão. Era um cano envolto num pano, cheio de pulseiras penduradas. As pulseiras eram bonitas mesmo, todas trabalhadas em palha, conchas e contas coloridas.

- Essa palha aí eu colhi lá na Costa do Marfim. Saca, Costa do Marfim?
- África, né, bicho?
- Ééééé... Seu Madruga saca das parada heh
- Cara, você viaja um bocado então, né? Foi na África só pra pegar palha...
- Sóó... eu viajo, bicho. E não peguei só palha não! Essas conchas são de lá também.
- Irado, hein...
- Ih, olha lá quem vem chegando! Á lá!, é o meu amigo Calvin Klein, grande estilista!

E apontou pra rua, de onde vinha outro hippie de dreads, só que mais alto e magricelo, atravessando. Cigarro na mão e nenhum mostruário de artesanatos pendurado, só uma mochila e alguma sujeira.

- Caraca, Calvin Klein em pessoa! - exclamei, apertando sua mão.
- É, é
- E aí, Madruga? Escolhe uma parada aê.
- Quanto queres na pulseira?
- É três, mas faço duas por cinco pra você. Aí tu fica com uma e leva outra pro teu amor.

Como eu não tinha amor nenhum pra presentear e realmente vi bondade no coração daqueles hippies, levei uma pulseira por quatro reais. O fato de eu só ter notas de dois no bolso também ajudou.

- Ôôô valeu velho que Oxalá te abençoe muito obrigado por ajudar o hippie aí valeu.

Aí eles foram embora e o ônibus passou. Fiz sinal e também fui embora.

...

Essa aconteceu de madrugada, num outro dia, também na rua do Riachuelo. Quando voltava pra casa, um rapaz mirrado e mau-encarado se emparelhou comigo e foi logo ameaçando.

- Aí vai passando o aparelho aí que tu perdeu mermão vai passando logo aí porque eu tô carregado, tô carregado e se tu não passá o aparelho eu te dou um tirão tá ligado
- Ih, calminha aí, cara. Vai se acalmando que tu veio assaltar o cara errado. Deixa eu te mostrar ó - e botei os bolsos pra fora - não tem celular não, acabei de voltar de Botafogo, fui assaltado lá, só tenho esses trocados.

Realmente, eu vinha de Botafogo, mas não havia sido assaltado coisíssima nenhuma. Meu dinheiro fora quase todo gasto em cervejas e aipins e o celular estava em lugar estratégico. Bendito seja o inventor do celular com flip, idealisador de uma tecnologia que permite ser pendurada em barras de cuecas, longe da vista de meliantes.

- Porra, qual foi branquelo? Passa o aparelho aí porra senão eu te dou um tirão na cara cumpádi! Na cara tá ligado!
- Calminha aí, meu chapa. Tô dizendo, só tenho esses trocados, cara. Eh, vamos ficar na paz, esse negócio de dar tirão não tá com nada. Violência não. Chega aí, eu te pago uma cerveja, vamos ficar na paz.

Não sei se foi porque vi que o cara não tinha arma nenhuma, ou se foi a famosa coragem que os bêbados ganham, mas atravessei a rua e pedi duas cervejas no depósito de bebidas. Dei uma lata pra ele, junto com o restante dos trocados que tinha o bolso e, antes mesmo de eu abrir a minha, o meliante frustrado foi embora mamando a dele, extremamente irritado, resmungando contra Deus e o mundo.

Quando o perigo passou, levei a mão ao peito, que estava coçando. Era meu cordão de São Jerônimo Xangô dando bronca.

- Eu tenho que te livrar de cada confusão em que você se mete....

...

Essa outra é do Carnaval. Estava novamente eu no ponto de ônibus quando um sujeito põe sua cabeça para fora do coletivo e despeja quase todo seu conteúdo gástrico no meio-fio. Digo "quase" porque tinha algo mais naquele regurgito que chamou atenção da galera. Se fosse mais um simples pobre coitado cuspindo as entranhas enxarcadas de álcool, tudo bem. É Carnaval, afinal. Mas o sujeito vomitou DE DENTES CERRADOS. Sem sacanagem. Ao terminar sua obra prima, ele reparou nos olhares que atraiu e não se fez de rogado. Engoliu, enxugou a boca na camisa mesmo e pôs-se a explicar:

- A cerveja vai, mas o camarão fica.

O ônibus seguiu seu rumo e eu nunca mais vi o sujeito, mas eu nunca esqueci sua vívida lição. Esse cara simplesmente virou o meu herói.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Black is Beautiful

Sabe quando você acorda no meio da noite suando frio, tremendo, se sentindo numa encruzilhada, e passa o dia acompanhado pelos seus demônios? Se isso lhe aconteceu, você foi pego pelo Blues.

Sabe quando você acorda agressivo, querendo tacar fogo em tudo, fazer todas suas angústias explodirem, soltar os demônios? Se isso lhe aconteceu, você foi pego pelo Rock'n Roll.

Sabe quando você está alegremente leve, sem preocupações na cabeça e um sorriso enorme e muito natural no rosto? Se isso lhe aconteceu, você foi pego pelo Samba.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

The House of the Rising Sun

Eu só sei que estou de férias quando meu relógio biológico descaceta de vez. Começo acordando às três da tarde, hora de almoço para todos, menos eu, claro. Mas o mundo não vai deixar de almoçar às três da tarde só porque um pobre coitado dormiu na hora do café-da-manhã. Por isso, acordo comendo arroz, feijão e bacalhau com pimenta e azeite, não vivo sem. O resto do dia não tem mais nenhuma refeição formal, é só um bando de comida que vou botando pra dentro em intervalos irregulares e intercalando umas cervejas.

Sendo assim, as madrugadas são insones e a barriga fica indecentemente mais redondinha.

...

O dia está clareando e eu ainda nem dormi. É o meu relógio biológico dando sinais de extrema insanidade. E é esse descontrole que faz a ficha cair: estou de férias! Fé-é-rias! Meus horários podem ter a maior bagunça do mundo, mas e daí? É recesso! Café-da-manhã às três da tarde, almoço à meia noite, janta às nove da manhã, uma beleza. Mas quando me dei conta de que eu havia acompanhado três sóis nascentes seguidos fiquei meio preocupado. À despeito da lua, ainda tão bela e branca à espera de algum admirador retardatário, resolvi dividir minha angústia.

- Tô preocupado, meu relógio biológico tá todo sem noção. Dois minutos pras seis e ainda não dormi.
- PQP nem eu!
- Ah, quer saber? A gente que é cool, baby. Olha o espetáculo, e já é o terceiro sol nascente seguido que vejo. E a lua cheia se pondo no céu avermelhado? Que maravilha!
- To com as cortinas fechadas para me convencer que ainda é noite.
- ...

E lá continuei eu, no terraço de casa, cercado de casas por todos os lados, curtindo essa calma que só as manhãs tem. Sabe, eu tinha me esquecido de como as manhãs são tão gostosas. Me fez lembrar da época na qual acordava bem cedo pra pegar o ônibus das 6:05 e ir para o colégio. Nem um minuto a mais, impressionante a diferença: o ônibus das 6:10 pega um puta trânsito na via "expressa" e demora meia hora a mais em relação ao das 6:05. Antes do sol as manhãs são mais gostosas mesmo, esse finzinho de sereno, uns pássaros cantando, outros voando, o céu indeciso em ser claro ou escuro, azul ou vermelho, essa lua se esvaindo aos pouquinhos. Fading seria a expressão mais certa; esvair lembra definhar, desaparecer é termo muito cru. Talvez "virar fumaça" servisse, mas ela não vira nada, a lua continua lá. Indo embora, mas ali ainda, pálida sombra, como um véu ficando cada vez mais fino.

Procurando a expressão mais certa, meus olhos se perdem. Vão encontrar um avião tão longe, mas tão alto que nem dá pra vê-lo. Só sei que é um avião porque deixa uma cauda de nuvem por onde passa, alguma condensação proveniente da combustão propulsora, só os físicos sabem direito, vivem disso afinal. E eu passei a viver da existência daquele voador solitário, tão longe qual nenhum radar nem nenhuma torre de controle alcançaria. Que faria aquele piloto sabendo que está no espaço aéreo não de um país, mas de um rapaz insone? Digo a ele pelo rádio para não se espantar, esse é meu emprego, ser um fiscal dissidente e solitário, e fico esperando o telefonema do ministro da aviação. Ele ligará para saber se está tudo em ordem, se o vôo está sendo tranquilo para seus passageiros, se o avião risca o firmamento com carinho. Prontamente responderei com pompa de guardião dos ares o que consta no boletim: "a aeronave e sua cauda cruzam os céus com a serenidade de uma vaca na Índia. Se localizam às onze horas e rumam para leste. No mais, tudo em ordem, o céu está uma uva". O ministro agradecerá com grandiloquencia "louvado seja por esse serviço de indispensável importância à nação. Não saberia dizer o que seria dos céus sem um distinto cavalheiro de exacerbada responsabilidade e envolvimento com as causas celestes!" ao que responderei "é apenas o meu trabalho".

Ao fim desse devaneio matutino, voltei a mim graças ao astro rei esquentando minha cara. A lua já desaparecera completamente, assim como o dito avião e toda sua longa cauda, e o sereno já todo enxugado pelo sol. A madrugada passou, assim como o amanhecer passou, e o dia começa.

E lá continuei eu, no terraço de casa, cercado de sol por todos os lados, só curtindo essa calma.

02/01/2010

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Cuide Bem do Seu Amor

Apesar de jovem, já possuía uma larga experiência em fumo passivo. Além disso, sua infância fora marcada por seis pneumonias, incontáveis bronquites e uma imensa alergia. Graças à sua família e sua vontade de viver, entrou na pré-adolescência há muito curado e sobrevivente, pulmão novinho em folha. Até certo dia, havia fumado onze cigarros inteiros em duas semanas, sem contar umas festas, frequentadas por dois anos, sempre com narguilé aceso aos convidados. Portanto, não era por falta de hábito ou resistência física que o décimo segundo cigarro de sua vida atribulada foi apagado, ainda pela metade, no fundo de um bueiro sob a acusação de sufocar o fumante novato. Tinha algo mais naquela madrugada triste.

Sujeito forte como costumava ser, nunca havia imaginado tornar-se esse tipo de pessoa, para ele, o mais detestável: aquele que tem boa parte de sua satisfação provinda da cerveja, da cachaça e, ultimamente também, do tabaco. O ser humano não nasceu para ser paliativamente feliz. Mas o que se há de fazer quando a felicidade é uma velha conhecida agora distante, uma amiga que partiu por ter sido maltratada? O que se há de fazer quando a própria verdade é desconsiderada em prol de pertencer ao bem estar e alegria geral da nação?

Como voltar no tempo não lhe pareceu uma opção possível, resolveu escolher a outra. Pôs-se a vagar por aí, pálida sombra do passado, de cachaça em cachaça, de beijo e beijo, de música em música, à eterna procura de uma nova versão do velho sentimento. Até hoje está em ronda, homem notívago, endurecido, de poucas palavras, realizando a busca menos com o coração que com os olhos. Olhos de ressaca. Olhos vivos, críticos. Cegos. Gato escaldado tem medo até de comercial de refrigerante.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Brasil Mestiço

Se eu tivesse que escolher a música brasileira mais bonita da história, escolheria essa aí.



Brasileira em todas os sentidos, foi composta por Aldir Blanc e João Bosco e imortalizada na voz adorável de Clara Nunes. O arranjo também é sensacional, muito bem sacado, só não consigo descobrir quem fez.

E tem um artigo bem bacana aqui.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Branda Liberdade

O ano era 2008, a época era o carnaval, estávamos eu e meu companheiro Motorola. Embora comigo havia apenas seis meses, o pequeno conquistara meu coração à primeira vista. Tosco, simples e - o melhor - o mais barato da loja, eu via nele tudo que sempre sonhei num celular: um telefone bronco. Sua pele monocolor de aço siderúrgico deixava claro que o pequeno ogro estava ali com o único intuito de fazer ligações. Com orgulho Graham Bell apreciaria minha compra. Quem não apreciaria ter o privilégio de ouvir a voz dos amigos queridos à qualquer hora, em qualquer alguns lugares pela bagatela de 89 reais?

Aparentemente, alguém naquele carnaval não curtiu. Do alto da varanda da Fundição Progresso, uma mangueira de incêndio foi ligada e apontada para os foliões que acompanhavam um bloco passando por ali. "VAMUREFRESCÁUCALÔMINHAGENTI!", dizia o bombeiro. Pois o celular enfureceu-se com o banho inesperado e pôs-se a vibrar loucamente. Mesmo tirando do vibracall, o danado não parava de tremer. Cheguei a desligar, e mesmo assim ele insistia no seu "Bzzzzzz", àquela altura já irritante. E desesperador. Estragar aparelhos eletrônicos dá um certo pânico. É como machucar um encarcerado e esperar a indignação dos companheiros se transformar num motim. Fiquei com medo do liquidificador por um bom tempo, até tratei de tirá-lo de perto da geladeira, só por precaução.

Pois então, na própria segunda-feira de cinzas, fui na loja e comprei outro igual. O preço subira um bocado (desembolsei 99 reais desta vez), mas a macheza do modelo foi mantida. Durante quase dois anos, o pequeno negro ogro resistiu bravamente a diversas quedas, chuvas, marretadas, incêndios e permaneceu fiel comigo mesmo após alguns assaltos. Bendito seja o inventor do celular com flip, idealisador de uma tecnologia que permite ser pendurada em barras de cuecas, longe da vista de meliantes.

Por causa de todo esse envolvimento e companheirismo, fico triste ao anunciar que esse último bastião da tecnologia casca-grossa sucumbiu na madrugada de ontem. É, Ele morreu. Vibrou incessantemente até cair da mesa e espatifar-se, fazendo a tela se soltar do resto do aparelho e definitivamente partir desta para melhor. É um daqueles fatalismos tristes, um em um milhão, que só acontecem em horas inusitadas. Ozzy Osbourne bebeu mais vodka do que toda a população da Rússia junta, mais drogas que cinco Woodstocks juntos, mas nunca correu risco de morte até cair de quadriciclo. Chato, né?


Por detrás dessa aparência brucutu há um bom coração.

Mas logo me alegro, quando penso que terei uma nova vida pela frente. Não terei a mínima pressa em comprar outro novo, quero curtir novamente a sensação de estar sem celular. Depois conto para vocês como é. Beijosmeliga. Ou não.