domingo, 27 de junho de 2010

Amor

A dor nos une mais que qualquer coisa.
O carrasco em comum é o maior mobilizador de pessoas.
"Foda-se, vou largar essa família."
"Cadê o Neymar e o Ganso na porra da seleção?"
"Enfia esse diploma no meio do teu cu, adevogado de merda!"
"Eu sou um ex-contínuo. E você é um filho da puta. Seu filho da putaá!"
"Esses ex-namorados tem mais é que ir pra puta que o pariu!"

Aposto que muita tem muita gente simpatizando com outra só porque ouviu uma dessas frases nesse momento.
Isso é fácil. Quero ver se entrelaçar pelo carinho, pela simples vontade de fazer o bem.
Ser doce é resistir. Perdoar é revolucionar.

Amor é tema tão falado
Mas ninguem cumpriu nem seguiu a grande lei:
"Cada qual ama a si próprio"
Liberdade e igualdade aonde estão não sei.
Mora na filosofia.

Morou, Maria?

Só amor de mãe é amor. E ainda assim crucifica o filho.
Por uma boa causa, pelo menos.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Vida

O que sempre me foi apresentado como vida foi pela minha mainha: sempre estava num bar, rodeada de risos e choppes. O trabalho era cheio de gente gozadora, personalidades bonachonas sempre dispostas a delardear piadas. Gente que respeita a impompencidade dos bares e igualmente respeitava, com silencio solene, a hora de gravar. "GRAVANDO" e lá iam os peões a movimentar-se e capturar o rosto dos globais, os superiores. Gente bacana e equilibrada, os colegas da minha mãe. Viva o chopp.

Aprendi que peões são felizes. Irado.

Nunca vi globais como semi-deuses. Eles, na minha cabeça de criança, eram peões também. Era o mesmo cigarro, o mesmo riso, o mesmo trabalho, a mesma obediência. A diferença era meramente geográfica: uns estavam atrás e outros na frente da câmera. Mas quando cresci, aprendi que na frente da câmera ficavam bispos, damas e reis. Os peões, atrás. E aprendi que, por ficarem atrás, os peões não valiam muito. Joguetes do sistema industrializado. Alienados, não-participativos, gozadores, burros inferiores. Ser peão era ser ruim.

Então peões são tristes. Comem pão torrado na padaria e café ruim, amargo fel. Resto da sociedade.

Fui aprendendo que aquela vida bacana dos peões era mediana. Fruto de uma cultura medíocre. Aliás, tudo o que tinha aprendido até então como vida era fruto de uma cultura medíocre, alienada, robotizada, massificada. Os acusadores da cultura medíocre sentem a maior culpa quando se entregam a prazeres massiliados, álcool, comemoração em conjunto, torcida pelo mesmo ideal. Acham tudo falso, mediano. Confundem realismo com pessimismo e têm confiança prepotente nos seus próprios egos, pois pensam que isso é arte. Acham-se superiores por questionar a cutura way-of-life do momento e dela auto-exilarem-se e chafrundar. São egoístas por acharem que podem encontrar a felicidade numa auto-solidão olhadora do proprio umbigo: cachaça, maconha, modinha hi-tech.

Nunca liguei pro hipe, pros meus colegas. Eu convivia com adultos, amigos da minha mãe, seus chopps, cigarros, bares e conversas sacanas. Meus colegas da minha idade eram chatos pra caralho. Tanto que minha adolescência virou uma bagunça só quando comecei a andar com a minha turma.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Arte

Tô desconfiado que essa busca desenfreada e global pela "pura arte visceral e verdadeira" é escapismo. Escapismo dessa vida regrada, limitada, cheia das cartilhas. Todo mundo sabe que os comportamentos sociais são pura invenção do homem. É tudo pretexto pra calçar chumbo e não deixar botar os pés nas nuvens. Criança travessa faz "arte". Adulto artista é "maluco beleza".

O artista sonha pela sociedade. Gente comum se adequa a qualquer rótulo: atleta, pegador/garanhão, homem de negócios, pai chefe de família. Gente medíocre fica pelo meio do caminho: adevogado, gordo, alcoólatra, neurótico. Artista vai no que todo mundo anseia e não tem coragem de fazer. Catarse é um saca-rolha, puxando à força os anseios e sentimentos escondidos por todo mundo e fazendo o observador confrontar-se com o que, segundo dizem, não vale a pena ser confrontado.

É uma puta responsabilidade. Artista tem que ser, acima de tudo, um grande vaselina. Sua arte precisa servir de muleta pros outros mas ele nunca pode esquecer de si mesmo. É muita coisa a ser sublimada. É muito coração aflito pra conduzir. Artista sem culhão acaba virando adevogado, gordo, alcoólatra e/ou neurótico.

Contrapartida, artista com culhão e espírito aventureiro demais acaba no suicídio. A morte é a única liberdade legítima dessa vida. Alternativo à morte é o hedonismo. Isso porque não dá pra calçar chumbo nos pés e voar ao mesmo tempo, ou seja, não dá pra libertar o inconsiente e alcançar o divino humano sem se libertar das convenções sociais e - tomara eu estar errado - dessa vida terrena.

Acaba que a busca pela "pura arte" ou a puta que o pariu que o valha é fruto de todo um cuidado metódico e planejado para não deixar gente ruim mediar essa catarse tão necessária à vida. Ou então é só a contra-mola que resiste e puxa a reflexão pro caminho do meio, pra não deixar todo mundo se matar a esmo. Quem souber ir, vai pelo meio.