quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Assalto

Quinta feira e noite e caminhava numa puta calçada deserta. Esse tipo de calçada dura iluminada pelo poste, luz amarela e fantasmagórica e refletida fracamente no asfalto preto e deixando tudo meio hepatite. Foda morar na cidade. Tinha a certeza que seria assaltado, violentado moralmente, talvez fisicamente, e não teria como processar ninguém. Temeu pelo corpo, não poderia se aleijar ou não iria mais poder trabalhar, e sem o seu trabalho um homem não tem sua honra e sem a sua honra se morre, se mata.

Seja o que Deus quiser.

Tinha a certeza que ia se fuder de algum jeito àquela noite. Até onde conseguia lembrar, puxou uma terça-feira recente e um domingo de carnaval distante, ambos anoitecidos e desertos mas sem acontecimentos trágicos. Tinha a certeza que ia se fuder, certeza divina, o três sempre tem essa coisa meio cabalística e hollywoodiana de plenitude - três patetas, três tenores, santíssima trindade, três homens socorrendo terezinha de jesus, meninas superpoderosas - e, como tivera duas andanças madrugadas bem-sucedidas, a terceira certamente seria ruim. Nessas três andanças, iria viver a história da humanidade e sintetizar a vida, fazendo valer a regra não há o bem sem o mal, toda nudez será castigada, Samba de Amor e Ódio, cavaleiros do zodíaco contra as forças maléficas.

Viu que estava confundindo realismo com pessimismo, pensou nos Quatro Crioulos. Eram plenos sem ser três. Cantarolou que mandou fazer um terno, só pra chatear, com a gola amarela. Começava a se sentir parte daquela rua, mesmo que ande no vale da morte, nada temerei pois sou tão filho da puta quanto qualquer filho da puta da porra do vale. Mandou bordar na lapela o nome que não era o dela, só-pra-cha-te-ar.

Mal chegou na outra estrofe e foi assaltado, arma na barriga e tudo. Temeu por qualquer coisinha, celular com os contatos todos, documento, roupa, o filho da puta conseguir fugir impune, fumar crack de bobeira, porra os quatro crioulos não vadeavam de bobeira, samba é coisa séria! malditas escolas de sambas e seus desfiles espetaculosos, diretoria de merda que ordena ritmista da velha guarda varrer o chão pra não tocar porque o filho do presidente de honra agora manda nos ensaios Porra, tô sendo assaltado mesmo caralho vai dar trabalho tirar outra identidade e se o filho da puta se passar por mim? vou andar pelado na rua se ele cismar com a minha roupa vai dar trabalho anotar os telefones todos de novo e essa arma na barriga já está irritando porra malandro hoje em dia não tem classe nenhuma sai logo pilhando tudo na agressividade ignorância, o-olha cara o celular já foi roubado ontem - mentira, estava escondido - desculpa aê.

Perdeu vinte e três reais.

Pelo menos saiu com seu apego material reajustado, crescido, turbinado, lhe caiu como uma luva. Porque, num assalto, ninguém teme pela vida, e sim pelo que conquistou e pode perder pra um qualquer. Pois, se pode perder, de nada valeram as conquistas. E se nada valeram as conquistas, a vida vale nada no final das contas. Deve ser por isso que os bandidos dominam o mundo, saem destruindo tudo o que construímos.

Perto dali, num copo de capirinha bebido e abandonado, uma larva decompositora assistiu a tudo e comentou com suas colegas de trabalho. Se larvas fossem como os homens e sentissem ganância, teriam começado a dominar o mundo naquele exato momento. Seria uma bela lição.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Macacos me mordam!

Amore
(é)
more
ore-







Com essa toga e essa tiara você nunca me enganou, Virgílio.
Você e Grande Otelo tocavam o terror nos bailes do Estácio.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Teste ergométrico

Minha musa inspiradora morreu
Ai de mim!
Porque eu nunca deixava ela expirar
E agora como as pessoas ouvirão meus suspiros?

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Sem métrica

Um marimbondo solitário zunzuna no meu quintal há uns dias
Somente só ele ali voando
Indo da Espada de São Jorge até o Pau d'água
Indo do Pau d'água até a Espada de São Jorge

Às vezes eu tenho isso de querer ser poeta
Mas hoje o marimbondo não me representa
A Espada não é metáfora de nada
O Pau d'água está na água, mas é coincidência. Nem fui eu que pus ele lá

Não há motivo pra enfeitar a realidade
Não há motivo pra louvar asas de insetos
Enfim, nenhum motivo pra poesia

O marimbondo não é poeta da natureza
O evento não é nenhum sinal divino
Mas por Deus! esse inseto me deu a maior aula de poesia da vida!