segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Cuide Bem do Seu Amor

Apesar de jovem, já possuía uma larga experiência em fumo passivo. Além disso, sua infância fora marcada por seis pneumonias, incontáveis bronquites e uma imensa alergia. Graças à sua família e sua vontade de viver, entrou na pré-adolescência há muito curado e sobrevivente, pulmão novinho em folha. Até certo dia, havia fumado onze cigarros inteiros em duas semanas, sem contar umas festas, frequentadas por dois anos, sempre com narguilé aceso aos convidados. Portanto, não era por falta de hábito ou resistência física que o décimo segundo cigarro de sua vida atribulada foi apagado, ainda pela metade, no fundo de um bueiro sob a acusação de sufocar o fumante novato. Tinha algo mais naquela madrugada triste.

Sujeito forte como costumava ser, nunca havia imaginado tornar-se esse tipo de pessoa, para ele, o mais detestável: aquele que tem boa parte de sua satisfação provinda da cerveja, da cachaça e, ultimamente também, do tabaco. O ser humano não nasceu para ser paliativamente feliz. Mas o que se há de fazer quando a felicidade é uma velha conhecida agora distante, uma amiga que partiu por ter sido maltratada? O que se há de fazer quando a própria verdade é desconsiderada em prol de pertencer ao bem estar e alegria geral da nação?

Como voltar no tempo não lhe pareceu uma opção possível, resolveu escolher a outra. Pôs-se a vagar por aí, pálida sombra do passado, de cachaça em cachaça, de beijo e beijo, de música em música, à eterna procura de uma nova versão do velho sentimento. Até hoje está em ronda, homem notívago, endurecido, de poucas palavras, realizando a busca menos com o coração que com os olhos. Olhos de ressaca. Olhos vivos, críticos. Cegos. Gato escaldado tem medo até de comercial de refrigerante.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Brasil Mestiço

Se eu tivesse que escolher a música brasileira mais bonita da história, escolheria essa aí.



Brasileira em todas os sentidos, foi composta por Aldir Blanc e João Bosco e imortalizada na voz adorável de Clara Nunes. O arranjo também é sensacional, muito bem sacado, só não consigo descobrir quem fez.

E tem um artigo bem bacana aqui.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Branda Liberdade

O ano era 2008, a época era o carnaval, estávamos eu e meu companheiro Motorola. Embora comigo havia apenas seis meses, o pequeno conquistara meu coração à primeira vista. Tosco, simples e - o melhor - o mais barato da loja, eu via nele tudo que sempre sonhei num celular: um telefone bronco. Sua pele monocolor de aço siderúrgico deixava claro que o pequeno ogro estava ali com o único intuito de fazer ligações. Com orgulho Graham Bell apreciaria minha compra. Quem não apreciaria ter o privilégio de ouvir a voz dos amigos queridos à qualquer hora, em qualquer alguns lugares pela bagatela de 89 reais?

Aparentemente, alguém naquele carnaval não curtiu. Do alto da varanda da Fundição Progresso, uma mangueira de incêndio foi ligada e apontada para os foliões que acompanhavam um bloco passando por ali. "VAMUREFRESCÁUCALÔMINHAGENTI!", dizia o bombeiro. Pois o celular enfureceu-se com o banho inesperado e pôs-se a vibrar loucamente. Mesmo tirando do vibracall, o danado não parava de tremer. Cheguei a desligar, e mesmo assim ele insistia no seu "Bzzzzzz", àquela altura já irritante. E desesperador. Estragar aparelhos eletrônicos dá um certo pânico. É como machucar um encarcerado e esperar a indignação dos companheiros se transformar num motim. Fiquei com medo do liquidificador por um bom tempo, até tratei de tirá-lo de perto da geladeira, só por precaução.

Pois então, na própria segunda-feira de cinzas, fui na loja e comprei outro igual. O preço subira um bocado (desembolsei 99 reais desta vez), mas a macheza do modelo foi mantida. Durante quase dois anos, o pequeno negro ogro resistiu bravamente a diversas quedas, chuvas, marretadas, incêndios e permaneceu fiel comigo mesmo após alguns assaltos. Bendito seja o inventor do celular com flip, idealisador de uma tecnologia que permite ser pendurada em barras de cuecas, longe da vista de meliantes.

Por causa de todo esse envolvimento e companheirismo, fico triste ao anunciar que esse último bastião da tecnologia casca-grossa sucumbiu na madrugada de ontem. É, Ele morreu. Vibrou incessantemente até cair da mesa e espatifar-se, fazendo a tela se soltar do resto do aparelho e definitivamente partir desta para melhor. É um daqueles fatalismos tristes, um em um milhão, que só acontecem em horas inusitadas. Ozzy Osbourne bebeu mais vodka do que toda a população da Rússia junta, mais drogas que cinco Woodstocks juntos, mas nunca correu risco de morte até cair de quadriciclo. Chato, né?


Por detrás dessa aparência brucutu há um bom coração.

Mas logo me alegro, quando penso que terei uma nova vida pela frente. Não terei a mínima pressa em comprar outro novo, quero curtir novamente a sensação de estar sem celular. Depois conto para vocês como é. Beijosmeliga. Ou não.